terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

'CIDADES INVISÍVEIS" ENSAIO (PARTE FINAL)

Com um estilo arejado e uma grande capacidade de traduzir seus pensamentos e imaginação em composições breves, concisas, mas densas, ele cria conexões invisíveis e multiplica as imagens sem destituí-las de seu significado, ao contrário, essa multiplicação opera uma riqueza de significados que deixa sempre traços na memória do leitor. Ao aventurar-se pela obra de Calvino busca-se perceber as características de sua escrita, bem como descobrir os fios que constroem seu discurso e fazem que suas invenções literárias se imponham mais pela sugestão que pela real carga significativa do verbo.

Quais são os valores literários que podemos descortinar nesse seu escrito? Estarão presentes as cinco lições americanas que ele nos oferece: leveza, rapidez, exatidão, visibilidade e multiplicidade?Ítalo Calvino mostra como é possível "construir" diferentes cidades (e que no fundo é uma, apenas) conforme se privilegiem determinados aspectos. Assim, ele "constrói" cidades totalmente diferentes a partir do olhar que recai sobre o traçado das ruas, as torres, a música, o encanamento, a memória, os mortos, entre vários outros aspectos.Percebe-se portanto que a cidade só existe enquanto relação entre os diferentes grupos que interagem em um dado sistema produtivo. Cada grupo, com seu modo ver o mundo ou com interesses voltados para aspectos específicos pode construir e reconstruir a cidade criativamente, a partir de elementos selecionados no amplo leque de opções disponíveis na cultura de uma dada sociedade.Dentro das chamadas Cidades invisíveis podemos destacar vários aspectos relativos à construção da memória e sua função cotidiana, que não se restringe a um simples artifício à lembrança ou aspecto revelado aproximando-se muitas vezes do material - da presença do tempo na vida das pessoas. Se o tempo é por si mesmo intangível, a memória seria o ponto de conexão e expressão daquele na vida do homem. Ao pensar então nesse tempo, principalmente o tempo passado, é que surgem as reflexões sobre como se projetar nele uma realidade determinada, os desejos e as frustrações, pois essas projeções fogem da realidade, dando a ela um caráter quase ficcional, artifício de memória, inclusive por tocar, em diversos momentos, aquilo que é irreal.Ao buscar uma possível percepção sobre a ordem discursiva presente nas relações entre as narrativas empreendidas por Marco Pólo e Kublai, nota-se a distinção dos lugares que esses personagens ocupam em relação ao emissor e ao receptor. Para além da mera e explícita apresentação de Marco Pólo como viajante e Kublai como Imperador dos tártaros, essa relação evidencia uma lógica que, ao fim e ao cabo, nos traz elementos para problematizar a necessidade de construção de uma memória ou de um forjamento desta.Com o desenvolver das viagens e das construções dos relatos, Marco Pólo constrói um lugar de destaque em relação aos outros viajantes, chegando até mesmo a narrar suas experiências em primeira pessoa, ao relatá-las ao Imperador, demonstrando certa proximidade e intimidade com a figura real.Kublain Khan olha para seu imenso território e parece não conseguir vê-lo em toda a sua extensão. O objetivo desses relatórios seria tentar compreender as posses e os limites do Imperador, bem como os detalhes que não pudessem ser observados no momento das ocupações. A idéia de tempo parece ser projetada pelo autor, nessas passagens, na medida em que o território é a própria vida de um indivíduo e que suas acumulações materiais (a conquista em si dessas cidades) transformam-se em fatos, e as acumulações desses fatos tornam-se posteriormente eventos perdidos no passado.

Mas o resgate, o relatório, pretende objetivamente restabelecer essa ligação, e é a partir de então que a memória é utilizada, ou melhor, forjada, inicialmente buscando uma imagem fiel daquilo que é o passado.O erro dessa busca incessante por uma determinada verdade é que faz com que Khan perceba que seu império é recheado de problemas e falhas, um esfacelo sem fim e sem forma se transformando na própria realidade. É o desespero causado pelas tentativas ininterruptas de recuperação do passado almejadas pela História, do ponto de vista do senso comum. As narrativas fantásticas, o olhar detalhista e a percepção mínima dos eventos também conferem a Marco Pólo o lugar de viajante preferido, o principal relator de eventos. Nesse momento, o personagem veneziano passa da condição de mero viajante para um possível lugar de arquivista.Ao final de As cidades invisíveis, Marco Polo discorre sobre as possibilidades da cidade perfeita, que poderá estar aflorando dispersa, fragmentada em algum lugar, e não como uma realidade pronta e totalizante. O que importa, diz ele, é procurar essa terra prometida visitada pela imaginação mas ainda não conhecida ou fundada.

Não é possível, contudo, traçar a rota nos mapas para chegar até ela. A reação de Kublai Khan, o interlocutor do viajante veneziano, frente a essa impossibilidade, é dar a última palavra, quando ressalta nos seus mapas “as ameaçadoras cidades que surgem nos pesadelos e nas maldições” e conclui: “É tudo inútil, se o último porto pode ser a cidade infernal, que está no fundo e que nos suga num vórtice cada vez mais estreito”. O imperador, assim, corrói as esperanças na utopia, quando a percebe subtraída, enquanto certeza, de seu horizonte de expectativas. À palavra que autoritariamente decreta e absolutiza, Marco Polo opõe, no entanto, um outro discurso que relativiza e contra-argumenta: “O inferno dos vivos não é algo que será; se existe, é aquele que está aqui, o inferno no qual vivemos todos os dias, que formamos estando juntos”. Perfeição e inferno são, assim, termos em tensão, que não se anulam na visão das cidades contemporâneas. Parece que Italo Calvino aponta, com suas alegorias, para o esgotamento da cena moderna, para o ultrapassamento dos valores utópicos em que a modernidade se fundamentava.As cidades invisíveis de Ítalo Calvino são metáforas das nossas construções mentais e paralelamente, da incessante busca humana por significados. As cidades são construções feitas a partir da nossa memória que lhes dá valor e significado. A memória é o pilar dessas construções, edificações e estão interconectadas e vinculadas em nossos espaços geométricos através de ruas, cantos, esquinas (simbólicas) da nossa intrínseca mente e do nosso inconsciente, elas são misteriosas e inefáveis. Como poderia então ser descrita para alguém a cidade de Zaíra? Se ela só adquire significado, ou seja, se ela só toma forma, a partir daquilo que lhe atribuímos? Através das nossas lembranças, vínculos, identificações.

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